Cultura

O artista plástico gaúcho Saint Clair Cemin é uma das estrelas da Frieze em Nova York

Escultor é pioneiro no mercado internacional, onde é mais reverenciado do que no Brasil
O artista plástico Saint Clair Cemin em seu estúdio, em Red Hook, Nova York Foto: Rony Maltz / Divulgação
O artista plástico Saint Clair Cemin em seu estúdio, em Red Hook, Nova York Foto: Rony Maltz / Divulgação

NOVA YORK - A porta do ateliê, no segundo andar de um antigo armazém no Brooklyn, está entreaberta. Duas salas e muitas esculturas depois, Saint Clair Cemin trabalha no computador. Ele acaba de chegar da montagem de sua mais nova obra, um martelo de aço envolto em uma caixa de vidro com três metros de altura, no Parque de Esculturas da Frieze. A segunda edição da feira de arte londrina que desde o ano passado acontece também em Manhattan começa nesta quarta, e Cemin — primeiro artista plástico brasileiro a despontar no circuito americano, ainda no início dos anos 1980 — foi convidado a desenvolver uma escultura em escala pública especialmente para um gramado de frente para o East River, em Randall’s Island Park.

Nascido em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, em 1951, Saint Clair Cemin bate ponto no ateliê do bairro de Red Hook há 20 anos. São mil metros quadrados com direito a amplos janelões e a uma pequena galeria onde reúne exemplares de uma carreira que só fez, e só faz, crescer: uma monumental colher de madeira talhada em 1988, uma forma abstrata de cerâmica desenvolvida na Itália em 2005, alguns desenhos.

— Desenho é o bread and butter do artista — diz o anfitrião, conhecido mundialmente por suas esculturas em formas e materiais dos mais diversos, que estão no acervo de museus como o Whitney, em Nova York, o MoCA, em Los Angeles, e Inhotim, em Minas Gerais, mas sobretudo em praças, hospitais e sedes de empresas de vários países. — Todo atleta precisa correr, não é? E todo artista precisa desenhar. Eu desenho todos os dias.

Artista com uma trajetória parecida, por também ter se consolidado em Nova York, Vik Muniz é só elogios:

— O Saint Clair é meu artista brasileiro favorito, sempre foi. É um artista de verdade, completo, divertido, inteligente, vai do surrealismo ao modernismo com uma liberdade inacreditável. Foi uma das primeiras pessoas a discutir a relação do objeto como uso e como design. O fato de eu ter ficado mais no Brasil do que ele me estabeleceu mais no nosso país, mas o público brasileiro merece uma exposição que mostre o tamanho e o escopo do seu trabalho.

Amigo de Jeff Koons, Basquiat e Keith Haring

Cemin chegou a Nova York em 1978, vindo de Paris, onde foi “conhecer o mundo” e acabou estudando na École Nationale Superieure de Beaux Arts. Fazia gravuras e ilustrações para revistas quando ouviu falar que “Manhattan era fantástica”.

— E era mesmo — diz, enquanto toma uma xícara de chá.

Ele caiu na efervescência do East Village, onde logo ficou amigo de artistas como Jeff Koons, Jean-Michel Basquiat e Keith Haring.

— Era muita festa, muito clube, muita arte. E uma cena eclética, colorida, bem-humorada. Basta dizer que a primeira galeria do East Village se chamava Fun Gallery — lembra Cemin, que, como seus colegas de geração, deve muito de sua promoção à dupla Collins & Milazzo. — Eles faziam exposições maravilhosas com textos extraordinariamente difíceis. Foram os primeiros curadores independentes de que se tem notícia.

Cemin conta que a festa hoje está em Pequim, onde tem ateliê desde 1999 — grande parte de sua obra (como o martelo da Frieze, que vai ser exposto na galeria Luciana Brito, em São Paulo, ainda este ano) é executada lá. Se hoje os maiores artistas produzem na China, ele foi um dos desbravadores do caminho.

— Não é só o preço, é o tempo. Uma obra grande, que nos Estados Unidos demoraria seis meses para ficar pronta, eles fazem em um mês e meio. Fora o acabamento eletrônico, materiais como o mármore... — conta ele ao mostrar, no laptop, as peças que começou a desenvolver na última temporada em Pequim (são três por ano): esculturas feitas com uma só linha de aço inoxidável que vai se enrolando sem se tocar. — A vida boêmia e artística nas periferias onde os artistas moram me lembra dos anos 1980 em Nova York.

Viagens são pura rotina para Cemin, que também tem um ateliê na França — num castelo na Borgonha — e uma casa para passar os verões na Grécia. Ele fala português, inglês, francês, espanhol, italiano, russo, um pouco de grego e arranha o mandarim (detalhe: aula mesmo, ele só fez de russo). Casado com uma iugoslava, Svetlana, que já foi atriz e hoje escreve para teatro, e pai de Sara, de 12 anos, o artista voltou a morar em Nova York em 2012, depois de passar seis anos em Paris. A família foi acompanhar a construção do Musée de la Chasse et de la Nature, onde Cemin fez todos os bronzes — luminárias, corrimãos, painéis.

— Gosto de criar peças utilitárias. A diferença que é feita entre arte e design não é essencial, é acidental — diz. — Paris foi bom enquanto durou, mas quis voltar para casa. Nova York é o meu lar. E você nunca vai se integrar à vida parisiense, nunca vai ser francês, nem se passar três gerações lá.

O retorno de Cemin a Manhattan foi devidamente celebrado. Em setembro, ele abriu simultaneamente duas exposições individuais: uma na galeria Paul Kasmin e a outra na Broadway, com esculturas espalhadas entre as ruas 57 e 157.

— O trabalho de Cemin está mais uma vez chamando a atenção, e me pareceu importante incluí-lo no Parque de Esculturas da Frieze este ano. Ele continua a explorar as possibilidades da escultura pública como poucos — diz o curador Tom Eccles, antes de afirmar que sua obra é tão consolidada nos Estados Unidos e na Europa que ele sequer lembrava que se trata de um artista brasileiro.

Cemin se descobriu escultor quando vendeu a prensa em que fazia gravuras (“Queria me expandir”) e decidiu desenvolver, como lembra, uma pesquisa “de natureza conceitual”. Corria o ano de 1983.

— Eu me fechei por uma semana em casa, com pouca coisa: terra, papel, lápis, aquarela. E sem plano. Em vez de começar a desenhar, o que seria natural, peguei argila e fiz objetos de terra. No dia seguinte tive que sair para comprar mais argila. Aí percebi que estava fazendo escultura.

A primeira exposição aconteceu dois anos depois: objetos, claro. Havia peças de pedra, que ele esculpia em cima de uma madeira equilibrada sobre uma pilha de pneus, para não incomodar os vizinhos de baixo. Não demorou para Cemin começar a vender o que fazia. E a se lançar nas obras maiores. Em 1989, participou da Bienal do Whitney; em seguida, foi a estrela de uma grande exposição dupla nas galerias Massimo Audiello e Sperone. A essa altura, o reconhecimento vinha a galope.

Documenta de Kassel

Enquanto isso, o Brasil era uma realidade muito distante de Cemin, que só conheceu os artistas do seu país — nomes como Waltercio Caldas e José Resende — na Documenta de Kassel de 1992. Foi quando o Brasil começou a conhecê-lo também.

— Até hoje não sei muito sobre o mercado brasileiro, só sei que vendo bem lá, e mais ainda ultimamente, para pessoas de quem nunca tinha ouvido falar. O Brasil agora é rico, e o que atrai a arte é dinheiro. Por que você acha que houve tanta arte no Renascimento? — questiona ele, que vai a Cruz Alta (e costuma esticar no Rio e em São Paulo) uma vez por ano. — Brasileiro agora é importante. Acho que esse reconhecimento começou na Documenta de 1992. E com o trabalho do ( marchand ) Marcantonio Vilaça (1962-2000), claro: o que ele fez pelo projeto da arte brasileira, indo a todas as feiras, se matando literalmente de trabalhar...

Pode-se dizer que Cemin, do seu jeito cosmopolita, trabalha muito pela arte brasileira também. Chega ao ateliê do Brooklyn todo dia às 8h30m e só sai às 17h. São 17h: hora de partir. Embarcamos no jipão do artista rumo a Manhattan. Ele vai contando histórias da filha, que nasceu a 25 dias de distância tanto do aniversário dele quanto da mulher, do yorkshire que se chama Andy Warhol, da decisão de não perder muito tempo com exposições, apesar de morar no centro da arte no mundo:

— Frequento meus amigos, mas não vou a mostras que não me tenham sido bem recomendadas. Me sinto muito frágil quando vejo uma exposição ruim, fico mal mesmo — conta ele, que viu (e gostou de ver) recentemente Claes Oldenburg no MoMA, as obras em preto branco de Picasso no Guggenheim e Nate Lowman, um nova-iorquino da nova geração. — Ele tem um trabalho bem original, uma poética pop interessante, meio grunge, bem americano.